No início deste mês, a imprensa noticiou a saída do jornalista e comentarista esportivo Carlos Cereto da Rede Globo, após mais de 20 anos de casa. No entanto, a saída do ex-chefe de reportagem da SportTV (filiada da Rede Globo) não foi das mais tranquilas, pois traz consigo acusações de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.

Exemplos como este citado acima nos faz refletir: o que configura o assédio moral e sexual? E mais: diante do atual cenário global, que enfrenta desde março/2020 uma das piores pandemias da história da humanidade, na qual grande parte das relações de emprego se adequaram a modalidade “home office”, é correto e possível afirmar que o exercício da atividade empregatícia, agora sob o regime de teletrabalho, inibe a prática de atitudes que possam ser consideradas assédio moral e até mesmo, sexual?

Pois bem. Antes de analisarmos essa possibilidade, é necessário estabelecer os conceitos de assédio moral e sexual, segundo o atual entendimento do TST. Assédio moral é toda e qualquer exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de modo que a conduta abusiva traga danos à dignidade e à integridade do trabalhador, colocando em risco a sua saúde e prejudicando o ambiente de trabalho.

Já o assédio sexual é entendido como o constrangimento com conotação sexual no ambiente de trabalho. Ao conceituarmos o assédio sexual, impende destacar que o agente se utiliza de sua posição hierárquica superior ou de sua influência no trabalho para obter vantagem ou favorecimento sexual. É importante destacar que o assédio sexual é crime definido pelo artigo 216-A do Código Penal Brasileiro.

Diante dos protocolos e práticas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde – OMS para prevenção do contágio pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) - dentre elas, o distanciamento social e o isolamento - grande parte das empresas, escritórios e repartições tiveram que adotar, de forma repentina e compulsória, o teletrabalho como uma maneira de manter suas atividades de forma segura durante a pandemia.

Mas, é possível afirmar que o distanciamento social e desenvolvimento do trabalho virtual afastam a possibilidade de ocorrência de atitudes que possam caracterizar o assédio moral e/ou sexual?

O mais correto é dizer que o home office ressignificou as condutas de assédio moral e sexual. Em tempos de atividades presenciais, eram comuns denúncias de assédio por cobranças excessivas e advertências verbais na frente de outros colegas. No entanto, com o trabalho remoto, essas situações se tornaram fisicamente impossíveis, o que não afasta a possibilidade de assédio através de outros tipos de atitudes.

A exigência da ligação da câmera em videoconferências para que o gestor possa “checar” o ambiente de trabalho do funcionário, cobranças acima de metas tangíveis decorrentes do receio da improdutividade, acionamentos fora do horário do expediente (muito embora o trabalhador em regime de teletrabalho não esteja sujeito ao controle de jornada), o envio de mensagens ou e-mails grosseiros são condutas que podem configurar o assédio moral e gerar o direito de o empregado receber uma indenização em uma eventual reclamação trabalhista.

Com relação ao assédio sexual, salienta-se que, antes mesmo da pandemia, já existia a possibilidade de configuração do mesmo sem que haja a necessidade de contato físico. Com o trabalho virtual, atitudes como o compartilhamento de textos e/ou imagens indesejáveis, elogios para além do profissional e convites para encontros, ainda que virtuais, caracterizam assédio sexual no ambiente de trabalho. O fato de as pessoas estarem em casa e a possibilidade de os encontros e conversas acontecerem de forma privada, apenas entre duas pessoas, sem as restrições que o ambiente corporativo impõe, pode acabar facilitando atitudes caracterizadoras do assédio sexual.

Também é importante destacar que a vulnerabilidade do trabalhador no período da pandemia agrava sua sujeição a comportamentos abusivos e atentatórios à sua dignidade no ambiente de trabalho. Em contrapartida, o empregador, que carrega o peso da necessidade de muitas vezes, ter de reduzir seu quadro funcional, reformular seus processos produtivos e reduzir os riscos do negócio (tudo isso de forma imediata, sem qualquer planejamento prévio), está mais suscetível a praticar assédio moral, ainda que não intencionalmente, e a incorrer em irregularidades trabalhistas, que futuramente podem impactar seu orçamento com condenações ao pagamento de indenizações por danos morais.

A internet e os meios virtuais geram a falsa sensação de impunidade, sendo dever da empresa garantir um ambiente de trabalho seguro, adotando práticas que possibilitem o bom relacionamento interpessoal, ainda que de maneira virtual. Para isso, o MPT elaborou uma nota técnica (Nota Técnica Conjunta 08/2020) com diretrizes para promoção de medidas de prevenção e ao enfrentamento da violência e assédio nas relações de trabalho, diante das medidas governamentais para a contenção da pandemia da doença infecciosa COVID-19.

O objetivo deve ser sempre preservar as relações e a saúde mental de toda organização de modo a garantir o melhor desempenho e resultado de todos. Para isso, as empresas devem investir, principalmente neste período de trabalho remoto, em palestras e oficinas sobre o assunto, promovendo a conscientização de seus colaboradores, além de capacitar seus gestores para que incentivem seus subordinados a estarem juntos, ainda que não fisicamente, no dia a dia da empresa e sobretudo, criar um código de ética e um canal de denúncias.

 

Larissa Moya
Advogada Trabalhista
larissamoya@mandaliti.com.br