Os aplicativos de delivery são cada vez mais utilizados pela sociedade, opção que se mostrou crescente no mundo todo durante a pandemia.

O trabalho realizado pelas pessoas que se ativam na entrega de alimentos por meio desses aplicativos não é regulamentado no Brasil, havendo grande insegurança jurídica em relação a sua classificação. Seriam esses trabalhadores típicos empregados? São inúmeras as ações propostas na Justiça do Trabalho pelos entregadores buscando o reconhecimento de vínculo empregatício com as empresas de aplicativos de entrega.

Nesse sentido, importante destacar que, nos termos do art. 3º da CLT, empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza contínua ao empregador, sob sua dependência, mediante pagamento de salário. Portanto, para a caracterização do vínculo de emprego, é necessário o preenchimento de cinco requisitos: subordinação, habitualidade (ou não-eventualidade), onerosidade, pessoalidade, devendo o serviço ser realizado por pessoa física.

A subordinação, peculiaridade mais forte da relação de emprego, caracteriza-se pela necessidade de o empregado de cumprir as ordens que são impostas pelo empregador, desde que lícitas.

A habitualidade configura-se pela realização, de forma contínua, dos serviços. Esse requisito refere-se à expectativa de continuidade na relação existente entre empregado e empregador.

Por onerosidade entende-se que a contraprestação recíproca entre empregado e empregador – aquele presta os serviços, mediante paga pelo empregador.

A pessoalidade caracteriza-se pela impossibilidade de o empregado se fazer substituir por outra pessoa.

Como último dos requisitos tem-se a necessidade da prestação dos serviços por pessoa física.

Na relação jurídica entre a empresa de aplicativo e os entregadores quase todos os requisitos, nos termos supramencionados, se revelam preenchidos. Contudo, o traço determinante da relação empregatícia, qual seja, a subordinação, não se mostra presente, em especial porque os trabalhadores podem escolher as entregas que realizarão, não sendo alvo de qualquer punição em virtude das entregas que escolheram não efetuar.

Outrossim, também não se mostra caraterizada a habitualidade (não-eventualidade), tendo em vista que os entregadores têm o livre arbítrio de escolher seu horário de trabalho, o meio pelo qual irá trabalhar, bem como quando trabalhar ou não, bastando desligar o aplicativo para isso, e podendo retornar a qualquer momento.

Não cumpridos os requisitos da subordinação e habitualidade, não há falar de vínculo de emprego entre os entregadores e empresas de aplicativo, tendo em vista que se tratam de quesitos que devem coexistir.

Assim, é aceitável considerar que os entregadores de aplicativos são trabalhadores autônomos, não regidos pela CLT. Porém, mesmo diante desta inafastável realidade, em caso análogo (motorista da Uber) a 3ª Turma do TST, em abril deste ano, concluiu, de forma inédita, pela presença dos elementos necessários à caracterização do vínculo empregatício entre o motorista e a plataforma digital.

Segundo o relator do caso, ministro Mauricio Godinho Delgado, o motorista de aplicativo "é fiscalizado permanentemente pelo algoritmo". "Admiramos o serviço, mas ele não escapa — mas sofistica — a subordinação", registrou o Relator.

Existem divergências quanto ao assunto dentro da própria instância máxima da esfera trabalhista. Em disputas anteriores entre motoristas e a Uber, por exemplo, os ministros das 4ª e 5ª Turmas já entenderam que não existe subordinação do trabalhador à empresa. Eles consideram que o fato de o motorista ter a opção de ficar off-line do aplicativo, sem limite de tempo, indica que há uma flexibilidade para estabelecer seus próprios horários de trabalho, o número de clientes que vai atender e o local onde atuará.

Importante destacar que a Lei 14.297/2022, que vigorou durante a situação de emergência em saúde pública decorrente do coronavírus, estabeleceu medidas importantes para os entregadores. Destaque-se duas delas: obrigatoriedade da empresa de aplicativo de entrega assegurar ao entregador afastado em razão de infecção pelo coronavírus assistência financeira pelo período de 15 (quinze) dias, prorrogável por mais 02 (dois) períodos de 15 (quinze) dias; bem como contratação de seguro, pela empresa de aplicativo, exclusivamente para acidentes ocorridos durante o período de retirada e entrega de produtos e serviços, com cobertura, obrigatoriamente, de acidentes pessoais, invalidez permanente ou temporária e morte.

Enfim, não existe consenso jurídico acerca da existência de vínculo de emprego ou não entre os entregadores e empresas de aplicativos. O cenário é de grande insegurança jurídica, sendo premente a necessidade de resolver de vez a questão dos entregadores de aplicativos, tendo sido a Lei 14.297/2022, talvez, uma luz no fim do túnel.


Andréia Maria Roso
andreiaroso@mandaliti.com.br