Em 22/04/2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o primeiro produto à base de canabidiol, cujo comércio somente pode ser realizado mediante receita médica de controle especial. Mais recentemente, em 15/04/2021 foram aprovados dois novos produtos, também à base de canabidiol.

Muito embora as referidas aprovações tenham ocorrido na categoria de não-medicamento, não tardaram a surgir demandas judiciais postulando que os planos de saúde sejam compelidos a fornecer tratamentos com produtos à base de canabidiol.

Nos últimos dias, duas decisões de primeiro grau, ambas no Estado de São Paulo, determinaram – ainda que liminarmente – o custeio dos produtos pelos planos de saúde. Aludidas liminares possuem como base o fundamento segundo o qual, na hipótese de se existir indicação médica expressa, eventual negativa de cobertura que utilize como fundamentação a ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS possuiria cunho abusivo.

O primeiro dos processos (1007872-93.2021.8.26.0590) trata de uma ação de obrigação de fazer julgado na 3ª Vara Cível da comarca de São Vicente, litoral do Estado de São Paulo, na qual uma criança portadora de epilepsia focal estrutural grave com crises complexas e convulsões diárias, sustentando ausência de êxito nos tratamentos usuais, ou seja, medicações antiepiléticas e dieta cetogênica, ajuizou ação para que o plano de saúde custeasse o fármaco à base de canabidiol, afirmando que este seria o único tratamento restante que possuiria efeitos positivos no tratamento de sua condição.

Para deferir a tutela de urgência, o magistrado fundamentou-se, essencialmente, em três argumentos: primeiro, no posicionamento externado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 668.216-SP, segundo o qual “o plano de saúde não pode estabelecer que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura”. Segundo, na Súmula 102 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a qual dispõe que “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou no rol de procedimentos da ANS” e, em terceiro, na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 335/2020 da Anivsa, a qual expressamente autorizou as operadoras de planos de saúde a participar do processo de produtos derivados de “Cannabis”, conforme art. 3º, §2º da RDC.

Em sua decisão, o magistrado entendeu, ainda, pela inaplicabilidade da tese firmada nos Recursos Especiais de nº 1.712.163/SP e 1.726.563/SP, julgados sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 990 do STJ), no sentido de que “as operadoras do plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamentos não registrados pela ANVISA”, tendo em vista que, ao contrário da tese firmada, os produtos em questão já contam com aprovação do Órgão de Vigilância Sanitária.

Já o segundo processo (1044383-11.2021.8.26.0002) foi proposto por uma criança que foi diagnosticada com esclerose tuberosa, epilepsia e comportamento autista. A tutela de urgência foi deferida sob o fundamento de que a negativa de custeio do medicamento desvirtuaria os fins do contrato, o qual deve ser necessariamente integrado com os avanços da medicina, sob pena de se tornar obsoleto e inócuo.

Conquanto se trate, por ora, de decisões liminares proferidas em primeira instância, muito possivelmente, sobrevirão recursos a serem interpostos pelas operadoras, de modo que, em breve, os Tribunais devem se posicionar acerca da questão.


Gabriel de Oliveira Plata
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