O STJ concluiu em 19/10/2022 o julgamento do procedimento de revisão do tema repetitivo nº 677, modificando sua jurisprudência em torno de matéria até então estabilizada no âmbito do Tribunal.

Em outubro de 2020, por iniciativa da Ministra Nancy Andrighi, foi levada à Corte Especial do STJ questão de ordem que propunha a revisão da tese firmada pela Segunda Seção por ocasião do julgamento do REsp 1.348.640/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/73).

A tese anterior estabelecia que, na fase de execução, o depósito judicial do montante da condenação (integral ou parcial) extinguiria a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Tratava-se da consagração da regra da elisão da mora, segundo a qual o depósito judicial, quer fosse realizado com finalidade liberatória, quer tivesse o escopo de assegurar a efetividade da execução, produziria efeito liberatório e extintivo, na data de sua efetivação e na exata extensão da monta depositada, cessando para o executado/depositante os juros e a correção monetária, cuja responsabilidade seria transmitida para o estabelecimento bancário acolhedor do depósito.

Essencialmente, a proposta de revisão buscou reconsiderar se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação de fato deveria isentar o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor.

Houve posição minoritária dos ministros do STJ em defesa da manutenção da tese do Tema 677 sem alterações. Entretanto, prevaleceu a tese sustentada pela relatora, Ministra Nancy Andrighi, ao norte de que, na fase de execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente de penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários da sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.

Desta forma, quando o depósito realizado em garantia for finalmente liberado ao credor, este deve ser acrescido da correção creditada pela instituição acolhedora do depósito e, no que faltar, os juros e correção monetária ainda serão responsabilidade do devedor, conforme a condenação.

O novo entendimento incentiva a satisfação do débito pelo devedor, confirmando ser mais vantajoso o cumprimento espontâneo da obrigação. Em contrapartida, torna mais onerosa a execução para aquele que paga mal ou, questionando a exigibilidade de parte ou todo o montante excutido, deposita apenas em garantia a cifra controvertida.

Com relação ao depósito a menor, o precedente não inova de modo concreto. Isto porque o tema repetitivo nº 677/STJ, antes da recente revisão, já estabelecia a extinção da obrigação apenas nos limites da quantia depositada.

Sendo assim, subsistindo parcela não liquidada, fruto de depósito insuficiente, sobre esta sempre foram proporcional e naturalmente devidos os consectários da mora. O raciocínio, ademais, decorria da lógica envolta ao § 2º do art. 523 do CPC, o qual assegurava, para o caso de pagamento parcial, a incidência das cominações legais de 10% da multa e outros 10% de honorários próprios à fase de execução.

Ou seja, lei e jurisprudência já puniam o devedor que satisfazia de maneira incompleta o saldo sob execução, concluindo-se que o tema repetitivo, ora revisado, apenas confirma serem devidas, além das cominações previstas no § 1º do art. 523 do CPC, também os juros e a correção monetária, incidentes sobre a fração residual do débito.

Já em relação ao depósito integral e em dinheiro, vertido com a finalidade exclusiva de assegurar a execução, o precedente modifica visivelmente a jurisprudência do STJ, rebaixando o devedor que deposita o saldo credor em garantia à posição daquele que simplesmente se esquiva da execução, nada pagando.

Como se depreende, o novo entendimento do STJ termina punir o devedor que, depositando o montante executado, solicita que o valor permaneça nos autos, até que sobrevenha o julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença.

Cabe frisar que a nova posição da Corte Cidadã, apesar de modificar a tese repetitiva, não surpreende o jurisdicionado. A Corte, ao contrário, já acenava neste exato sentido ao decidir, em reiteradas ocasiões, que o depósito em garantia não isentaria o devedor das cominações previstas no § 1º do art. 523 do CPC.

Como firmado, dentre outras, na ocasião do julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial 1906380/MG, o pagamento deve ser interpretado de forma restritiva, isto é, somente é considerada como pagamento a hipótese na qual o devedor deposita em juízo a quantia devida sem condicionar o seu levantamento à discussão do débito em sede de impugnação do cumprimento de sentença, não havendo que se falar em afastamento da multa quando o depósito se deu a título de garantia do juízo. Noutros termos, aos olhos do STJ, o depósito apenas para garantia do juízo, subseguido pela apresentação de impugnação, não eximiria o executado da multa e dos honorários previstos no art. 523, § 1º, do NCPC.

A novidade da revisão da tese é que, para além desta cominação, também serão devidos juros e a correção monetária sobre o valor depositado em garantia de instância.

A mensagem transmitida pelo STJ é clara: o processo é marcha para frente e, como tal, deve alcançar sua finalidade, a entrega célere e efetiva do bem da vida. Aquele que de alguma maneira questiona o título executivo formado deve fazê-lo de forma fundamentada e sólida, afinal, a singela garantia do juízo, associada à oferta de impugnação meramente protelatória, culminarão inexoravelmente com a punição exemplar do devedor recalcitrante, que arcará com juros moratórios e correção monetária, assumindo ainda o risco de experimentar a multa de 10% e os honorários de outros 10% previstos no § 1 do art. 523 do CPC.

A postura do devedor que outrora garantiria a execução em dinheiro há, em contrapartida, de refletir benefícios e desvantagens de se abrir mão imediatamente de valores em espécie: não havendo utilidade real em assegurar o juízo por meio de depósito em dinheiro, incapaz, por si, de elidir a mora e colocar termo à incidência dos juros e correção monetária, toca aquele que se vê diante de execução grosseiramente equivocada e excessiva depositar apenas a fração incontroversa em liquidação, permitindo seu imediato acesso ao credor. Quanto à parcela controvertida, não há serventia em depositá-la visando assegurar o juízo, certo que o pagamento imediato (em garantia) ou posterior (mediante penhora ou depósito tardio) conduzirão o devedor à mesma situação jurídica, na qual este experimentará encargos moratórios idênticos.

Por certo, para os casos de execução integralmente indevida, porque desassociada do título ou desprovida de justa causa para sua instauração, cenário corriqueiro nas cobranças de astreintes decorrentes de decisões liminares, cabe a reflexão do devedor sobre o real proveito de abdicar imediatamente de valores em espécie, ponderando, a respeito do emprego de modalidades distintas de segurança o juízo, a exemplo da fiança bancária ou seguro garantia judicial, capazes de reduzir os efeitos prejudiciais da penhora, desonerando os ativos do ente executado.

Como lembrou o Ministro Paulo de Tarso, em seu voto contrário à modificação da tese repetitiva em análise, entre a opção de imobilizar capital em depósito que será corrigido pelo índice da poupança e a possibilidade de empregá-lo em outro investimento, restará ao devedor observar o que lhe é financeiramente mais vantajoso.

Por fim, a Corte descartou a necessidade de modulação dos efeitos da nova decisão. Em outras palavras, não haverá restrição temporal da sua eficácia, de modo que o novo entendimento será aplicado nos casos sob tramitação no Judiciário, mesmo que com garantia constituída anteriormente, apesar do evidente impacto.  

O acórdão resultante do julgamento ainda pende de publicação, desafiando recursos subsequentes, cujos efeitos serão discutidos em momento oportuno.

Em breve conclusão, o novo entendimento encampado pelo STJ modifica profundamente a dinâmica da execução civil, instituindo o risco de esvaziar a eficácia do depósito em garantia vertido pelo devedor, que passa a meramente a evitar a constrição forçada de seu patrimônio, sem alcançar o efeito elisivo à sua mora.


Rafael Parisi
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