O Supremo Tribunal Federal, em 18 de dezembro de 2023, afastou a possibilidade de utilização de valores oriundos de depósitos judiciais ou administrativos para pagamento de precatórios. Referida decisão aconteceu durante um julgamento online da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.457/AM, que questionava uma lei do estado do Amazonas.
Essa recente decisão pode parecer contraditória, pois em 29 de setembro de 2023, a própria Suprema Corte, durante o julgamento virtual da ADI nº 5.679/DF, tratando do mesmo tema, autorizou a utilização de depósitos judiciais para pagamento de precatórios em casos envolvendo o Poder Público.
À primeira vista, pode parecer que as decisões são contraditórias. No entanto, elas se complementam e oferecem uma interpretação restritiva e estão de acordo com a Constituição no que diz respeito à utilização dos valores de depósitos judiciais e administrativos para pagamento de precatórios.
A Emenda Constitucional nº 94, de 15 de dezembro de 2016, autorizou que até 75% (setenta e cinco por cento) dos valores dos depósitos judiciais e administrativos em dinheiro fossem utilizados para pagar precatórios. Esses depósitos são referentes a processos judiciais ou administrativos, tributários ou não tributários, nos quais o Estado, o Distrito Federal, os Municípios, suas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes façam parte, ou seja, entes da administração pública direta.
Em sessão virtual realizada em 29 de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.679/DF, confirmou que é válido o uso de depósitos judiciais para pagamento de precatórios atrasados. Essa prática já estava prevista na Lei Complementar nº 151/2015, que estabelece normas gerais para utilização dos recursos e que alcança tão somente os processos em que o próprio ente federado que receberá parcela do depósito é parte.
Acontece que alguns Estados - no caso julgado, o Amazonas - ao criar sua própria legislação sobre a utilização dos depósitos judiciais, estendeu a utilização dos recursos depositados nas ações em que figuram a administração pública direta e “indireta”, sendo este o ponto de discussão.
De acordo com o STF “a utilização da expressão ‘administração pública direta e indireta’ retrata uma imprecisão técnica e deve ser lida restritivamente para abranger apenas pessoas jurídicas de direito público”. Ou seja, a manutenção desta expressão no texto legislativo estadual resultou na ampliação do uso dos valores em depósitos judiciais ou administrativos. Segundo a Corte, “estendeu a compreensão para demandas que envolvem outras pessoas jurídicas, inclusive de direito privado, mesmo quando não presente o próprio estado federado”.
Além disso, a ampliação da utilização de depósitos judiciais ou administrativos decorrentes da administração pública indireta, como as empresas públicas que atuam sob o regime privado e sociedades de economia mista, foi considerada uma violação do direito de propriedade. Isso ocorre porque caracteriza ilegítima apropriação de valores pelo ente estatal.
Nesse contexto das decisões, verifica-se que não há contradição entre elas, mas que se complementam para fornecer uma interpretação restrita, tal como consta na Emenda Constitucional 94/2016 e na Lei Complementar 151/2015, mantendo em segurança os depósitos judiciais ou administrativos das empresas integrantes da administração pública indireta que atuam sob o regime privado.
Essas decisões são importantes porque impedem que as partes processuais realizem empréstimos compulsórios à administração pública indireta, pois garantem os processos em que são partes, bem como fornecem orientações aos legisladores estaduais sobre os limites a serem respeitados. Além disso, as decisões ajudam a evitar outras manobras para tentar ampliar as regras para os depósitos judiciais em demandas estritamente privadas, cujo limite de utilização dos recursos em juízo é de 20%. É o que se espera.
Marco Aurélio F. Yamada